Quem de nós (mais mulheres que homens acredito) não experimentou, na infância, os sapatos de salto alto da mulher mais próxima de nós?
E quantos/as de nós não acham isso hoje uma fofura ou um sinal de bom gosto, requinte e elegância?
Quantas de nós (acredito que muitas) ainda fazem deste calçado um hábito no seu dia a dia, porque a faz sentir-se bonita e poderosa?
Quantas de nós, já adultas, continuamos a caminhar em bicos de pés, mesmo descalças?
Quantas suportam em silêncio dores musculares e articulares diariamente?
Quantas sentem cansaço extremo nos ombros, nas costas, nas pernas e nos pés quando o dia ainda nem sequer vai a meio?
Hoje trago-te a importância do salto alto na nossa autoestima e na degradação da nossa coluna vertebral.
Em conjunto com outras questões emocionais, o uso do salto alto influencia imenso no desenvolvimento de cifoses e lordoses na coluna vertebral que acordam muitas vezes processos de dor insuportáveis.
O ato de, na infância, experimentar os saltos da mãe, da irmã, da tia e por aí fora, é mais um pedido de atenção: "Olha para mim! Estou tão crescida! Estou pronta para carregar as tuas dores!" ou "Eu preciso que me vejas, preciso que me vejas bonita e a ser engraçada, preciso que me valorizes, que me digas o quanto sou importante para ti!"
A mente inconsciente e infantil não nos deixa ficar no meio termo, faz com que vacilemos entre polos opostos, de perceção em perceção seja por falta seja por excesso de atenção, seja aprendizagem por exemplo já visto e encarnado como uma crença.
Muitas de nós cresceu (só talvez) com a ideia de que ninguém a via ou ouvia, se não se colocasse em bicos de pés, em cima de banco, ou de algo que a ajudasse a ficar à altura de ser melhor vista, porque os adultos só olhavam em frente e esqueciam-se de olhar para baixo.
E muitas de nós fomos crescendo com crenças inconscientes deste género!
A história da invenção do salto alto vai sendo distinta e distorcida de cultura para cultura. Apesar de ter sido criado com a intenção de afastar o mais possível o pé do chão sujo e lamacento, ao longo do tempo passou a ser usado para manter as mulheres mais perto dos homens num papel de submissão (de não poder ir muito longe), mesmo tendo sido criada a ilusão de que mulher de salto alto é poderosa.
Quando a mulher se descalça, o "poder" vira dor e desespero silencioso. Também se fala da questão de que salto gera elegância, mas o que está por detrás é uma manipulação subtil patriarcal que gera no inconsciente da mulher uma ideia de que o seu corpo não é bonito ou desejado ou visto, e que não é valorizada se não os usar.
Uma vez que alguns homens foram manifestando interesse, não pelos saltos altos, mas pela possível oportunidade de manipulação emocional e pelo formato curvilíneo que o corpo adquiria com o seu uso, e que muitas vezes quando a mulher se descalçava o encanto desaparecia.
A longo prazo, a mulher foi-se habituando à dor do calçado bonito (mas desconfortável) e criando assim uma ilusão in vitro de poder e independência, que se parte quando o seu corpo se manifesta verdadeiramente, e grita por liberdade "obrigando-se" a largar o seu uso.
Quando os seu pés voltam a tocar o chão, a terra, e a sentir de onde vem a verdadeira força e o verdadeiro poder sobre os seus corpos e o que a mantém viva e de pé, é aí que percebe que não se resume à altura de um sapato... é aí que percebe a importância de se olhar ao espelho, metaforicamente entrar dentro dele e reconhecer-se em todas as qualidades que procura encontrar numa altura artificial e numa visão exterior... e aos poucos o seu corpo vai encontrando o seu espaço no mundo, e a sua coluna vai-se ajustando cada vez mais à postura original que já teve um dia.
Sim, também é muito importante cuidar da nossa aparência, sem dúvida. Mas de que vale a aparência se o interior estiver desfeito, fraturado, doente?
Qual o preço que o nosso corpo paga para que outras pessoas tenham uma "boa visão" sobre nós, só porque calçamos saltos altos?
Quem seremos nós por detrás do sofrimento que gera calçar sapatos altos durante um dia inteiro, semanas, meses, e anos até, senão uma mentira que nos foi incutida um dia?
Observar-me, cuidar-me, dar-me suporte, aceitar-me, OLHAR por mim, elogiar-me, dar-me amor e valor, celebrar-me pelas minhas conquistas, é tarefa MINHA enquanto ser individual e adulta!
Quando aceitamos fazer a nossa parte do trabalho interno, a ideia de grupo ou comunidade ou tribo vai-se materializando e vamos acabar por entender que, na realidade, sempre fomos vistos e valorizados, só não na medida que queríamos!
E agora que somos adultos e responsáveis, o que podemos fazer mais por nós próprios e por quem nos rodeia?
Eu diria... ESCUTAR! E assim continuar o trabalho de reconstrução interna com leveza e amor no coração.
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